o crescimento evangélico brasileiro em Portugal

O Diário de Notícias dá conta do crescimento das igrejas evangélicas em Portugal, graças ao aumento migratório brasileiro para Portugal. Esse facto não tem nada de inesperado. Pelo contrário, a transnacionalização religiosa acompanha os fenómenos migratórios, impondo mudanças ao campo religioso do país de chegada. Num país onde o catolicismo é historicamente dominante, mas amplamente dado a formas populares e alternativas de vivência espiritual (vide ex-votos[1]), haveria sempre espaço para novas dinâmicas e roteiros para o “sagrado”(2). A forte presença brasileira estaria prima facie associada ao crescimento de igrejas evangélicas, porquanto estas crescem fortemente no Brasil. Apesar de não parecer, à primeira vista, dado o substrato cristão, estas têm e terão um forte impacto social em Portugal, sobretudo pela dimensão evangelizadora fervorosa e pela dinâmica política de guerras culturais e religiosas que formam a sua própria identidade religiosa. Este facto tem trazido alguns problemas de controlo no Brasil, dado que a perseguição religiosa é parte da sua doutrina, além das confluências políticas. Para quem desconhece, a maioria destas igrejas nasce de uma ideia de guerra santa contra todas as demais religiões, inclusive contra o catolicismo, estando associadas a uma violência simbólica, material e física contra templos, igrejas e pessoas no Brasil. A destruição de santos e santas é uma prática recorrente, além dos ataques violentos e quotidianos contra as religiões afro-brasileiras (3). Com efeito, neste plano, é comum a conversão de traficantes nas “favelas”, onde são ungidos como gladiadores de Jesus e perdoados pelos seus crimes de tráfico, conquanto agrediam, destruam e expulsem os templos e frequentadores das religiões de matrizes africanas.

No plano moral, verifica-se uma circunstância de batalha cultural contra a identidade de género, o aborto, a homossexualidade, e as mais diversas formas de pluralismo identitário e cultural, em favor de uma norma moral ultraconservadora, com a defesa de um modelo familiar onde a mulher ocupa uma posição subalterna e “do lar”, onde se desencoraja o consumo de bens culturais como o cinema, exposições, concertos, e onde a televisão tem como único papel o consumo de canais evangélicos. Trata-se de uma tipologia de clausura urbana, em que vivendo na cidade, as pessoas vivem alineadas de grande parte das práticas em comunidade, já que na sua cosmovisão tudo está minado pela influência do demónio.

A conversão religiosa ao neopentecostalismo configura um fenómeno sociológico interessante, verificando-se que no Brasil há lugares com uma taxa de crescimento de perto ou mesmo de 100%. A penetração da sua moralidade na política é de destacar, verificando-se a leitura da Bíblia em muitas sessões plenárias. No Senado, é já conhecida a bancada evangélica, a qual toma parte do setor conservador do eixo boi-bala-bíblia.

Com efeito, na transnacionalização para Portugal esta onda de violência religiosa desaparece, ficando a luta pelo plano moral e cultural. No entanto, o crescimento destas igrejas é notório e já começam a dar sinais de expansão para fora das suas redes informais e de sociabilidade. As rádios evangélicas foram um passo importante nessa expansão. Em muitos lugares do país já surgem cartazes e outdoors de grandes dimensões com mensagens de conversão, e já tive a oportunidade de verificar verdadeiras marchas urbanas com cartazes anunciando a salvação e o dever de conversão, num processo que nos dá conta de uma nova abordagem de externalização e de importação de estratégias do Brasil. A integração nas fileiras do Chega – que necessitou de delimitar o seu impacto interno – revela uma estratégia de bolsonarização da política portuguesa.

Nesse sentido, diferentemente do crescimento das diversas igrejas evangélicas no séc. XX ou das transformações no campo religioso desse século, com efeitos no presente, o crescimento evangélico neopentecostal tem potencial para destabilizar o campo religioso e social português, dada a natureza genética destas igrejas de permanente guerra santa, que inclui o catolicismo, a maior mancha de fé no país.


(1) de Pina-Cabral, J. (1997)–O pagamento do santo-uma tipologia interpretativa dos ex-votos no contexto socio-económico português. Milagre que Fez. Coimbra: Museu Antropológico da Universidade de Coimbra, 79-104. // de Pina-Cabral, J. (2013). The gods of the gentiles are demons: the problem of pagan survivals in European culture. In Other histories (pp. 45-61). Routledge.

(2) conceito problemático (dado que parte de uma grelha ocidental de leitura sobre o religioso baseada na distinção entre “sagrado” e “profano”, mas operário para a apreciação presente. 

(3) Ferreira Dias, J. (2019). “Chuta que é macumba”: o percurso histórico-legal da perseguição às religiões afro-brasileiras. Sankofa, (22), 39-62.

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